Caixa-preta: como surgiu e como funciona o equipamento

Inventada na Segunda Guerra Mundial e aperfeiçoada nos anos 1950, caixa-preta é instrumento fundamental para investigação de acidentes aéreos como o da VOE. Foto: Força Aérea Brasileira.

Há 17 anos a aviação comercial brasileira vivia um hiato de acidentes aéreos graves. Este jejum foi infelizmente quebrado com a queda do ATR 72 da VOE, em Vinhedos (SP), ceifando a vida de 62 pessoas. Em meio às conquistas do Brasil nas Olímpiadas, o triste sinistro tomou de assalto as manchetes no jornalismo nacional, trazendo à tona diversas perguntas e ‘revivendo’ assuntos. Dentre eles, as famosas e infames caixas-pretas. 

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Em todo acidente aéreo, o tópico caixa-preta sempre é destaque, afinal, os gravadores de voz e dados são popularmente considerados a chave para as causas da ocorrência (embora os investigadores apurem muito mais que isso). Mas afinal, como surgiu esse equipamento tão importante? E como ele funciona? 

Antes de mais nada: caixa-preta é um apelido popular para um conjunto de gravadores de dados e voz – como mencionados acima – que quando instalados em uma aeronave, registram as conversas dos pilotos no cabine de comando e os dados de trajetória do avião, bem como o funcionamento de sistemas e motores. Tecnicamente, são chamados de Flight Data Recorder (Gravador de Dados de Voo), ou FDR, e Cockpit Voice Recorder (Gravador de Voz do Cockpit), ou CVR. 

Militares da FAB com a caixa-preta do Voo 1907 da Gol, que caiu em 2006 na Serra do Cachimbo. Foto: Força Aérea Brasileira.
Militares da FAB com a caixa-preta do Voo 1907 da Gol, que caiu em 2006 na Serra do Cachimbo. Foto: Força Aérea Brasileira.

Embora sejam chamados de caixa-preta, o CVR e FDR são pintados de laranja fluorescente. A pintura é para facilitar que os investigadores e equipes de resgate tenham mais facilidade para encontrar os equipamentos no local do acidente. 

Como surge a caixa-preta

O apelido surgiu na Segunda Guerra Mundial, especificamente na Inglaterra, tendo relação com o desenvolvimento de sistemas de radar, rádio e navegação aérea. Tais equipamentos eram altamente secretos e enclausurados em caixas de cor preta. Ainda na época, as forças aéreas dos Estados Unidos e da própria Inglaterra experimentaram o uso de gravadores de dados em suas aeronaves, informalmente ligando o apelido dos equipamentos. 

O gravador de dados de voo surgiu na mesma época do conflito, em 1939, mas pelas mãos dos ses François Hussenot e Paul Beaudouin, que realizaram os primeiros experimentos usando filme fotográfico usando o chamado Gravador HB. Durante a guerra, Hussenot e Beaudouin aram a utilizar fitas metálicas em uma bobina de alumínio para registrar as informações, uma vez que este material é bem mais adequado para resistir aos acidentes. 

Em paralelo, na Finlândia, um dispositivo chamado ‘Mata-Hari’, criado em 1942 pelo engenheiro Veijo Hietala, é considerado o primeiro FDR moderno. O instrumento, que também era montado numa caixa-preta, era usado para registrar dados de voos de testes em aviões de caça. 

O australiano David Warren é considerado o pai da caixa-preta moderna. Porém, anos antes, gravadores de dados de voo já haviam sido experimentados na Europa. Foto: Ministério da Defesa da Austrália.
O australiano David Warren é considerado o pai da caixa-preta moderna. Porém, anos antes, gravadores de dados de voo já haviam sido experimentados na Europa. Foto: Ministério da Defesa da Austrália.

Por outro lado, o CVR só surgiu por volta de 1958, uma iniciativa do australiano David Warren da Aeronautical Research Laboratories (ARL). Anos antes, Warren participou das investigações de acidentes envolvendo o de Havilland Comet, primeiro avião comercial alimentado por motores a jato. Apesar do advento tecnológico, o Comet sofreu vários acidentes e os investigadores não tinham como ter relatos da tripulação. 

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Warren então desenvolveu um protótipo, inicialmente chamado de Unidade de Memória de Voo, que usava uma bobina de aço magnetizada para gravar até quatro horas de conversas na cabine e oito leituras de instrumentos, quatro vezes por segundo. O equipamento não foi bem quisto no ARL, mas durante uma visita, o Secretário do Conselho de Registro Aéreo Britânico, Sir Robert Hardingham, conheceu o gravador e reconheceu a importância do instrumento para a elucidação de acidentes aéreos. 

Como funciona uma caixa-preta moderna

Os modernos FDR e CVR foram desenvolvidos a partir da Unidade de Memória de Voo de David Warren. Juntos, são chamados de Sistema de Registro de Dados e Voz e são envoltos em uma carcaça laranja, feita de aço e titânio para garantir que as informações não se percam num eventual acidente. As caixas-pretas modernas podem ar temperaturas superiores aos 1000ºC e impactos de até 3400 vezes a força da gravidade. 

Quando as caixas-pretas são encontradas no local de um acidente, os investigadores recolhem os equipamentos para um laboratório. Os gravadores são cuidadosamente abertos e os dados baixados e um computador seguro, onde serão posteriormente analisados. 

Popularmente chamadas de caixas-pretas, os gravadores de dados de voo e de voz do cockpit (FDR e CVR) são altamente resistentes e guardam informações importantes para entender quedas de aeronaves. Foto: NTSB.
Popularmente chamadas de caixas-pretas, os gravadores de dados de voo e de voz do cockpit (FDR e CVR) são altamente resistentes e guardam informações importantes para entender quedas de aeronaves. Foto: NTSB.

No Brasil, o órgão responsável por esse trabalho é o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos, ou Cenipa, uma organização da Força Aérea Brasileira. Com sede em Brasília (DF), o Cenipa atua junto da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) para apurar as causas de acidentes aéreos e prevenir novas ocorrências do tipo. 

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No caso do acidente com o Voo 2238 da VOE, o Cenipa encontrou as caixas-pretas do ATR 72 no mesmo dia do acidente. No dia seguinte, os gravadores foram levados para o Laboratório de Leitura e Análise de Dados de Gravadores de Voo (LABDATA). Três dias depois, a FAB confirmou que os dados haviam sido extraídos das caixas-pretas por uma equipe especializada. 

Gabriel Centeno

Autor: Gabriel Centeno

Estudante de Jornalismo na UFRGS, spotter e entusiasta de aviação militar.

Categorias: Aeronaves, Artigos, Notícias, Outros

Tags: Acidente Aéreo, Caixa Preta, Investigação

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