A turbulência no setor aéreo brasileiro

por Aeroflap

O transporte aéreo desempenha papel essencial no desenvolvimento econômico e social de qualquer país, pois conecta pessoas, impulsiona o turismo, fomenta negócios e facilita o o a inúmeras oportunidades.

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No entanto, esse setor vive imerso em uma realidade marcada por altíssimos custos operacionais, margens de lucro voláteis e frequentes oscilações externas, como variações cambiais, preço do combustível, questões climáticas ou até mesmo crises sanitárias e políticas.

Além disso, as companhias aéreas enfrentam uma rigorosa legislação regulatória e são fiscalizadas por órgãos que, embora imprescindíveis para a segurança, geram complexidade e custos adicionais de cumprimento.

Mesmo diante de todo esse cenário, tais empresas são historicamente tratadas pelo Judiciário e pelo legislador como responsáveis quase absolutas por qualquer desconforto sofrido pelos ageiros, recebendo condenações pecuniárias significativas em casos em que, muitas vezes, sequer se exige do autor da ação provas razoáveis de seu prejuízo.

Essa hiperproteção ao consumidor, ao ser analisada de forma isolada, pode parecer uma conquista social. Afinal, quem nunca teve um voo cancelado ou atrasado e se sentiu prejudicado?

O cerne do problema, entretanto, reside no modo exagerado como se aplica a responsabilidade civil no Brasil. O excesso de condenações e indenizações desproporcionais, somado à rígida imposição de responsabilidade objetiva, faz com que as companhias acabem arcando não só com os riscos inerentes à atividade, mas também com as consequências de situações alheias ao seu controle.

Muito embora seja justo que o consumidor seja ressarcido em situações genuinamente danosas, não se pode ignorar que, sem qualquer filtro probatório, abre-se margem para a litigância oportunista ou para a banalização de pedidos indenizatórios, fomentando a judicialização em massa.

Nesse cenário, surgem empresas e startups especializadas em comprar créditos decorrentes de litígios contra companhias aéreas e em estimular judicializações, ainda que em casos de baixo lastro fático ou probatório. Para o ageiro seduzido por essas promessas de ganho fácil, trata-se de mais uma vantagem: ele não precisa arcar com custas, e o risco do processo a a ser da empresa intermediária.

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Mas o que muitos consumidores não se dão conta é que, ao final, todos esses custos — desde os honorários advocatícios até as indenizações eventualmente excessivas — são reados para o preço das agens aéreas. Assim, o que a curto prazo se mostra como aparente benefício ao consumidor individual, acaba por penalizar a coletividade de forma duradoura.

É nesse contexto que o conhecido “custo Brasil” entra em cena: quanto maior a insegurança jurídica e quanto mais onerosas e desenfreadas forem as condenações impostas, mais se torna inviável às companhias oferecerem agens a preços competitivos, pois elas precisam compensar os prejuízos na composição tarifária.

Dados da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR) revelam que, desde 2020, o número de processos contra companhias aéreas brasileiras aumentou, em média, 60% ao ano. Surpreendentemente, 98,5% das ações judiciais contra companhias aéreas no mundo são ajuizadas no Brasil. Para se ter uma ideia da disparidade, enquanto nos Estados Unidos há uma ação judicial para cada 2.585 voos, no Brasil ocorre uma ação para cada 0,52 voo, ou seja, praticamente uma ação para cada dois voos realizados.

Esse cenário é agravado pela atuação de um pequeno grupo de advogados: apenas 20 profissionais ou escritórios são responsáveis por 10% das ações movidas contra as companhias aéreas no país, indicando uma possível prática de litigância predatória.

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As consequências financeiras são expressivas. Estima-se que as companhias aéreas gastem cerca de R$ 1 bilhão anualmente com custos judiciais, incluindo indenizações que, em média, alcançam R$ 6.700 por ageiro que a Justiça entende ter sofrido dano moral.

Nessa lógica, quem paga a conta é justamente o consumidor que pretendia ser protegido. Enquanto no discurso oficial se festeja a defesa dos direitos do ageiro, na prática se desperta um efeito colateral que enfraquece a concorrência, reduz a possibilidade de promoções e, ao fim, elitiza o o às viagens aéreas.

Se as companhias, especialmente as de menor porte ou mesmo as que poderiam se interessar em operar rotas regionais, temem os custos incalculáveis de uma postura judicial implacável, elas tenderão a recuar de novos investimentos, restringindo o número de voos e encarecendo as agens pela via da menor oferta. A consequência é a diminuição da malha aérea, o que, novamente, prejudica o próprio ageiro que mais depende de preços íveis e maior cobertura de rotas.

Diante disso, é urgente que se reavalie a aplicação do atual arcabouço normativo, buscando tornar mais equilibrada a proteção ao consumidor no transporte aéreo. Medidas que condicionem a responsabilidade das companhias a situações efetivamente comprovadas, assim como a concessão de indenizações proporcionais ao dano e à análise das circunstâncias de cada caso, teriam o condão de restabelecer o bom senso.

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Da mesma forma, o Poder Judiciário, ao exigir um mínimo de evidências concretas antes de responsabilizar as empresas, preservaria o escopo maior da tutela consumerista e, simultaneamente, reconheceria que há uma série de fatores que fogem ao controle dos transportadores. Longe de significar um retrocesso na proteção ao consumidor, essa postura implicaria maior segurança jurídica e, no longo prazo, maior benefício para todos, pois se teria uma queda na judicialização artificial e, portanto, uma redução de custo que inevitavelmente se refletiria no preço final das agens.

O equilíbrio entre responsabilidade e razoabilidade probatória, bem como uma visão sistêmica das consequências econômicas das decisões judiciais, representam o caminho mais seguro para evitar distorções que, na prática, prejudicam justamente aqueles que se almeja proteger.

Se há intenção genuína em favorecer o consumidor, o melhor caminho não é incentivar uma proteção ostensiva e automática, mas, sim, construir um amparo sólido, sem desequilibrar o jogo de tal forma que todos acabem perdendo.

Uma nova postura de toda sociedade, portanto, não só preservaria o setor aéreo de onerosidades excessivas, como também reduziria o risco de ree desses valores ao usuário final. Ao fim e ao cabo, quanto menor for esse ree, mais baratas se tornarão as agens, maior será o o das pessoas ao transporte aéreo e maior será a competitividade entre as empresas, promovendo um desenvolvimento saudável para a economia e o país.

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Tudo isso permitirá que a aviação civil possa, enfim, sair da turbulência, alçar voos sustentáveis e oferecer agens realmente íveis a todos os cidadãos.

Camilla Liporaci Sócia do Ernesto Borges Advogados
Artigo escrito por Camilla Liporaci Sócia do Ernesto Borges Advogados

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