Em 1972, em meio ao calor da Guerra no Vietnã, dois aviadores se tornaram os últimos ases da Marinha dos Estados Unidos. Voando um F-4 Phantom II, os tenentes Duke Cunningham e Billy Driscoll derrubaram cinco caças do Vietnã do Norte, tornando-se lendas na comunidade dos pilotos de caça.
Formados pela escola TOP GUN – imortalizada pelos filmes homônimos estrelados por Tom Cruise –, os dois receberam diversas condecorações, mas no caso de Duke, a história teve um fim trágico após condenações por corrupção, em sua carreira de congressista.
Em 2021, quase 50 anos após conquistar o status de Ás no Sudeste Asiático, Duke voltou a ter seu nome amplamente citado pela mídia, ao receber o perdão de Donald Trump, nos seus últimos momentos como presidente dos EUA.
Origens
Randall Harold Cunningham é natural de Los Angeles, nascido em 08 de dezembro de 1941, um dia após os ataques de Pearl Harbor. Antes do serviço militar, ele se formou como educador físico, mais tarde obtendo o mestrado em educação. Nesse meio tempo, atuou como professor de natação.
Em 1967, Cunningham ingressou na Marinha, recebendo a comissão para se tornar oficial aviador. Foi na Marinha que ele recebeu o apelido Duke, pelo qual é conhecido até hoje. Após o treinamento, ele é formado como piloto de caça, apto para combater a bordo do F-4 Phantom. Originalmente desenvolvido para a própria Marinha, o Phantom II era o principal avião de combate dos EUA na época, sendo também empregado pela Força Aérea e Corpo de Fuzileiros Navais.

Após um viagem (tour) de combate a bordo do porta-aviões USS America, Duke volta aos Estados Unidos pra receber o curso da Navy Fighter Weapons School, a famosa TOP GUN. Na época situada na base aérea de Miramar, em San Diego, a TOP GUN recebia pilotos de caça da Marinha inteira para aprimorar suas habilidades e capacita-los para enfrentar as principais ameaças aéreas no Vietnã, os caças soviéticos MiG-17 Fresco, MiG-19 Farmer e MiG-21 Fishbed.
Após terminar o curso, Duke é enviado de volta ao Vietnã, dessa vez a bordo do porta-aviões USS Constellation (CV-64), onde estava ligado ao esquadrão VF-96 Fighting Falcons. Junto de seu Oficial de Interceptação-Radar (RIO), o tenente William “Willy Irish” Driscoll, ele tripulava um caça F-4J, codinome Showtime 100.
Ases Indomáveis
A sequência de abates de Duke e Irish começa em 19 de janeiro de 1972. Durante uma patrulha na região da Zona Desmilitarizada, em Quang Tri, Irish plotou um alvo no radar. Era um par de caças MiG-21 do Vietnã do Norte.
Duke e Irish estavam algumas milhas atrás dos MiGs, uma distância que o armamento indicado para uso seria o AIM-7 Sparrow, um míssil de médio alcance orientado por radar. Na época, a confiabilidade dos mísseis não era das melhores. Duke optou por usar o AIM-9 Sidewinder, um míssil de curto alcance guiado por calor, contrariando a indicação do seu RIO/copiloto.

O piloto vietnamita conseguiu evadir o primeiro AIM-9 disparado, mas não teve tanta sorte com o míssil que veio logo em seguida. Duke e Irish conquistavam, assim, o primeiro de seus abates no conflito.
Após um hiato, a segunda vitória veio em 08 de maio daquele mesmo ano, durante a campanha de bombardeio massivo da Operação Linebacker. Duke e Irish estavam em um pacote de escolta para jatos de ataque A-6 Intruder, que estavam lançado minas navais no porto de Haiphong, a terceira maior cidade do Vietnã.
Durante a missão, um MiG-17 começou a engajar o F-4 pilotado por seu ala, o tenente Brian Grant. Imediatamente, Duke partiu em apoio, e um dogfight se iniciou; em seguida, mas dois MiGs se juntaram à festa. O primeiro MiG chegou a disparar um míssil contra o F-4 de Grant, que conseguiu desviar.
Ao mesmo tempo, Duke e Irish manobravam para defender o parceiro, realizando um primeiro disparo de AIM-9. O MiG-17 manobrou forte para evadir o primeiro míssil, mas sem energia, não conseguiu escapara do segundo Sidewinder. Segunda vitória garantida, mas sem vantagem no combate, Cunningham teve que usar a potência do F-4 para evadir dos outros dois MiGs.

Three Kills
Dois dias depois, Duke e Irish fariam história, inserindo seus nomes no hall de lendas do combate aéreo. Novamente voando o Showtime 100, eles estavam participando de uma missão de bombardeio, carregando mísseis AIM-7 e AIM-9 e bombas de fragmentação CBU-100 Rockeye. O alvo era o pátio de manobras ferroviárias de Hai Dong, uma posição estratégica e bem defendida pela aviação de caça e defesa antiaérea do Vietnã do Norte.
Bombas lançadas, Cunningham e Driscoll subiram para cobrir o ataque de jatos A-7 Corsair II, quando receberam um pedido de apoio de outro F-4, que estava no meio de um combate com diversos MiG-17. De pronto, dois MiGs “encaudaram” Cunningham, que ou para a posição defensiva. Ouvindo seu ala Grant, Cunningham manobrou e o MiG ultraou o F-4, virando o jogo a favor do americano; Cunningham lança um Sidewinder que explode o jato vietnamita. 3×0 para Duke e Irish.
Em uma breve “pausa” eles retomam a vantagem de altura, quando Duke observou que um F-4, pilotado por seu subcomandante, Dwight Timm, estava sendo perseguido por três MiGs. Rapidamente ele parte para ajudar, manobrando violentamente contra os MiGs. Cunningham orienta o oficial-superior a manobrar, para permitir o engajamento com o AIM-9. Duke dispara e o míssil acerta o MiG em cheio. 4×0 para Duke e Irish, que decidem retornar ao porta-aviões.

Voando em direção ao mar, os tripulantes do Showtime 100 avistam mais um MiG, voando diretamente contra eles. Duke leva o F-4 para o cruzamento, mas o MiG começa a atirar contra o americano, que desvia. Um combate feroz se inicia, com um piloto de MiG bem mais habilidoso que os outros. Entre manobras verticais e horizontais, a vantagem do dogfight alternava entre Duke e o aviador vietnamita. Para cada manobra, havia uma contra resposta, cada um buscando obter a vantagem que levaria ao abate.
Em uma manobra ousada, Duke levou o F-4 para uma condição de baixa velocidade, uma condição em que o MiG, menor e mais ágil, leva vantagem. No entanto, o Fresco ultraa o F-4, que estava quase estolando. Mesmo assim, Duke teve condições de fazer a pontaria no MiG e disparar um Sidewinder, que atingiu o jato inimigo.
5×0. Imediatamente, Cunningham e Driscoll se tornam ases, os últimos aviadores a conquistarem esse título na Marinha dos EUA e os primeiros a fazer isso empregando apenas mísseis.
Abatidos
Recuperados do combate, Duke e Irish seguem para a costa, mas o perrengue ficaria pior. Sobrevoando Nam Dinh, o F-4 foi atingido por um míssil antiaéreo. Duke conseguiu controlar o F-4, que capengava até o mar. A ordem era ejetar, mas se abandonassem o jato sobre o país, certamente se tornariam prisioneiros de guerra, o maior medo de qualquer aviador que combate no Vietnã.
Finalmente, o Showtime 100 deu seu último suspiro e perdeu o controle. Com o avião em parafuso chato, a ejeção era a única saída. Dito e feito, Driscoll comandou a ejeção, saindo primeiro, com Duke sendo ejetado do F-4 logo em seguida. Enquanto desciam de paraquedas em direção ao mar, eles viram lanchas da Marinha do Vietnã, o que fez Duke sacar a pistola e atirar para afastar os inimigos.

Na água, eles aguarda pelo resgate, que veio em seguida através de um helicóptero da Marinha, que os levou de volta ao porta-aviões Constellation. Recebidos com muita festa, o piloto e seu companheiro logo se recuperaram.
Por suas ações na Guerra do Vietnã, Duke Cunningham e Willie Driscoll receberam as condecorações Cruz da Marinha, Coração Púrpura, Estrela de Prata e Air Medal.
Política, corrupção, prisão e perdão
De volta aos EUA como uma lenda, Cunningham se tornou instrutor da TOP GUN. Voando caças como o F-5, F-16 e A-4, ele serviu de inimigo contra pilotos americanos que estavam aprendendo a combater as ameaças da época. Avançando na carreira, ele esteve em posições de comando e gerência em diversos órgãos da Marinha, até se aposentar como Tenente-Coronel em 1987.
O ás do F-4 agora trabalhava como consultor e comentarista, onde sua fama ou a chamar atenção de políticos do Partido Republicano em San Diego. 1990, ele disputa as eleições contra o democrata Bill Lowery, vencendo a concorrência para a Câmara dos Representantes dos EUA após um escândalo que manchou a reputação do adversário.
Um republicano conservador, Duke esteve diversos subcomitês em pautas como defesa, segurança, educação e desenvolvimento humano. Apesar de falas polêmicas, especialmente em temas LGBT, o ex-militar era um político bastante popular em San Diego.
Após seis reeleições, a carreira política de Cunningham chegaria ao fim após uma reportagem do jornal San Diego Union Tribune, que denunciava um acordo de propina entre Duke e empresas de segurança. Duke recebia suborno em dinheiro para favorecer empreiteiras de defesa em contratos do governo. Uma operação do FBI apreendeu diversas provas, incluindo um bilhete que detalhava quando ele ganharia de uma empresa para obter contratos milionários.

Encurralado, ele aceitou um acordo com a Justiça e em novembro de 2005 se declarou culpado pelos crimes de conspiração, fraude postal e eletrônica, sonegação e suborno. Em dezembro, ele renunciou seu posto como representante na Câmara Baixa dos Estados Unidos. Chorando, Duke anunciou a renúncia em uma coletiva de imprensa, dizendo que “Quebrei a lei, escondi minha conduta e desonrei meu alto cargo. Sei que perderei minha liberdade, minha reputação, meus bens materiais e, mais importante, a confiança de meus amigos e familiares.”
Finalmente, em março de 2006, Duke Cunningham foi condenado a 10 anos de prisão por seus crimes, além de uma multa de US$ 1,8 milhão. Após apelações da equipe de advogados apelou, a sentença foi reduzida para oito anos, depois do juiz levar em consideração sua idade, sua delicada condição de saúde (Cunningham enfrentava um câncer de próstata) e os serviços prestados ao país.
A maior parte da sentença foi cumprida em uma prisão em Tucson, Arizona, onde Cunningham apresentava bom-comportamento e auxiliava outros presidiários a estudar para reduzir a pena. Em junho de 2013, Duke deixou a prisão, indo viver no estado do Arkansas.
Ressocializado, Cunningham vivia com as limitações impostas a ex-presidiários, como a negativa para poder adquirir armas de fogo. Mas oito anos após sair da cadeia, Cunningham recebeu de Donald Trump o perdão condicional, nos últimos momentos da istração presidencial do empresário. Conforme o perdão, o antigo piloto de caça ainda terá que pagar US$ 3,6 milhões ao governo, em restituição e confisco.