A América do Sul dos anos 1930 era um caldeirão em ebulição, em que governos buscavam resguardar a qualquer custo seus interesses políticos e econômicos, seja nos ambientes externos e internos. A intransigência governamental, em conjunto com revoltas e demandas populares, evoluía quase sempre para algo mais sério do que uma simples troca de acusações, escalando, não rara as vezes, para as vias do conflito armado.
A Guerra do Chaco (entre Paraguai e Bolívia) e a Questão Letícia (entre Colômbia e Peru) foram apenas alguns dos exemplos mais conhecidos destes conflitos, que encapsularam de forma bastante nítida as evoluções que peravam o pensamento militar na década de 30. As lições aprendidas na Primeira Guerra Mundial, sobre a importância da mecanização das forças combatentes (por intermédio de tanques, metralhadoras e artilharia de precisão) foi bastante sentida nestes conflitos, apesar de longes em escala da grande calamidade de 1914-1918.

Um dos adventos mais importantes da Grande Guerra e que teve papel preponderante nestes conflitos foi sem dúvida o poderio aéreo. Apesar de ser creditada à Guerra do Chaco a primeira oportunidade que a aviação teve de demonstrar seu verdadeiro potencial bélico em terras sul-americanas, foi na verdade no Brasil que os primeiros experimentos sobre a utilidade da arma aérea na guerra foram realizados no continente.
Neste texto, o leitor poderá seguir pela desconhecida história da Guerra Aérea na Revolução Constitucionalista de 1932, que serviu de campo de testes sul-americano para o aprendizado sobre a importância desta arma nos novos conceitos de guerra das décadas de 30 e 40. Seria no Brasil de 1932 que o primeiro abate de um avião em combate aéreo em território latino americano se daria; seria também neste mesmo conflito que o primeiro raid noturno da região seria executado; e que também, pela primeira vez em território sul-americano, se presenciara a cooperação entre Marinha e Aeronáutica, em um prenúncio das operações combinadas da Segunda Guerra Mundial.

Embora desconhecido hoje fora das fronteiras tupiniquins, este conflito atraiu a atenção mundial em sua época, com adidos militares de nossos vizinhos sul-americanos (como de Argentina, Bolívia e Paraguai) se misturando com aqueles de nações bem mais fortes militarmente (como EUA e França), que buscavam observar na prática a evolução da arte da guerra na década de 30. Certamente as lições deste conflito impactaram o pensamento estratégico de todas estas nações de certa forma, convencendo gradativamente que a aeronáutica se tornara uma arma decisiva no arsenal militar de uma nação.
Revolução Constitucionalista: A guerra civil esquecida do Brasil
Como muitos de seus vizinhos sul-americanos que baseavam suas economias em um sistema de exportação de produtos primários e brutos, o Brasil sofreu muito com a crise de 1929. O principal produto de exportação do país na época, o café, desvalorizou-se consideravelmente do dia para a noite, quebrando a principal indústria nacional; e, consequentemente, uma grave crise interna se instalou na economia brasileira. Para complicar ainda mais a situação, 1930 era ano eleitoral no país, o que por si só já contribuia para as agitações político-sociais que a nação atravessava naquele momento.
Marcada por escândalos, nepotismo e outros fatores, as eleições de 1930 podem ser consideradas como a principal causa da Revolta Constitucionalista, que eclodiria dois anos depois. O candidato eleito para assumir a presidência do país nas eleições de 1930, Júlio Prestes, e que contava com grande apoio dos produtores de café, havia sido deposto antes mesmo de assumir o cargo de chefe de Estado, tendo seu adversário nas urnas, o populista Getúlio Vargas, apoiado pelos militares, assumindo o cargo.
Esta manobra política foi o primeiro preâmbulo da guerra que estava por vir. Dois anos de insatisfações e hostilidade entre o estado de São Paulo (que estava por trás da campanha presidencial de Prestes) e o governo central brasileiro, baseado no Rio de Janeiro, eclodiram em guerra aberta, no dia 9 de julho de 1932. Os ressentimentos do golpe de estado jamais arrefeceram na mente dos paulistas, também conhecidos como constitucionalistas, por sua defesa à constituição e ao presidente eleito em 1930.
A guerra, que durou 85 dias, teve aproximadamente 3500 mortos e quase o dobro de feridos. Tais números demonstram a voracidade dos combates em um período tão curto, se comparado proporcionalmente a outros conflitos de maior duração na América Latina dos anos 30. Uma coisa que os números não mostram, no entanto, foram os desenvolvimentos tecnológicos utilizados por cada facção, que serviram certamente ao propósito de aumentar o número de vítimas no conflito.
A artilharia e a metralhadora se provaram as armas dominantes no campo de batalha, como haviam sido na Primeira Guerra Mundial. No entanto, diferente deste conflito, novas táticas de infiltração e ataques por meio de grupos reduzidos e espaçados entre si foram utilizadas (ensinadas por militares ses veteranos do conflito), o que certamente evitou um derramamento de sangue ainda maior na Revolução Constitucionalista. Outros engenhos, como tanques e trens blindados também demonstraram seu valor, permitindo fogo móvel e continuado sobre o campo de batalha.
No entanto, foi a aviação que se demonstrou ser a arma mais temida no campo de batalha brasileiro. Foi nos céus do Brasil que os primeiros aprendizados sobre o “novo” papel da aviação, aperfeiçoado nos últimos meses da Grande Guerra, puderam ser realmente postos em prática. A aviação, tanto Constitucionalista, quanto Federalista (aliada ao presidente Getúlio Vargas) atuou não somente como arma propriamente dita, mas como elemento psicológico e de dissuasão em engajamentos-chave do conflito.

Também na Revolução Constitucionalista, não foram poucas as vezes que aviões foram empregados em funções nunca antes vistas até o momento em grande parte do mundo: como recurso de apoio cerrado e tático a infantaria, como infiltrador em espaço aéreo inimigo, como arma de ataque anti-naval, além de elemento de cooperação com outros ramos das forças armadas. Neste curto conflito, a aviação deu uma valiosa lição: que, mesmo em reduzidos números, poderia ser uma arma temível, se bem empregada e bem utilizada.
Composição das Forças Aéreas, doutrinas e táticas
O Brasil iniciou seu processo de estruturação de um braço aéreo para suas forças armadas em 1910 e, em 1932, essa ideia já havia evoluído para uma forma bastante madura. A ideia de que a Arma Aérea deveria estar subordinada ao Exército estava profundamente enraizada na doutrina militar brasileira, demonstrando assim a crença de que o objetivo primordial da aeronáutica era contribuir de forma harmoniosa para as atividades em terra. Porém, essa linha de pensamento começou a perder força no final da década de 1920, quando instrutores da missão militar sa no Brasil começaram a desmistificar essa ideologia, com as lições aprendidas nos céus europeus da Grande Guerra.
Portanto, quando o conflito de 1932 estourou, a aviação do exército brasileiro se encontrava em um momento de transição: os primeiros caças modernos da incipiente Força Aérea (quatro Nieuport-Delage NiD.72 C1) haviam sido recebidos poucos anos antes, enquanto que os demais aviões, majoritariamente modelos Waco CSO e Potez 25 TOE, demonstravam ainda a tendência da aviação em seu papel de cooperação, já que estes modelos eram mais adaptados a missões de apoio, reconhecimento e bombardeio do que a combates ar-ar.
A divisão destes aviões entre Federalistas (representantes legais do governo) e Constitucionalistas (revoltosos) obviamente não se deu de maneira homogênea. Como no caso da Guerra Civil Espanhola, que aconteceria alguns anos depois, cada lado contaria no começo do conflito com os recursos que estivessem dentro de sua zona de influência, além de possíveis defecções de pilotos simpáticos a uma ou outra causa, que se encontrassem atrás das linhas ideológicas rivais. Como a principal base aérea militar brasileira à época se encontrasse no Campo dos Afonsos (Rio de Janeiro), consequentemente os federalistas retiveram a maioria das aeronaves, em especial, uma quantidade valiosa de Potez 25 TOE, que formariam a espinha dorsal da Força Aérea Federalista (conhecida como Grupo Misto de Aviação) na primeira parte do conflito.
Se acrescia aos aviões em mãos Federalistas aqueles de posse da Arma Aérea Naval, pertencentes à 1ª Divisão de Observação e a Flotilha Mista de Aviões de Patrulha, que foram aglutinadas sob o comando único da Marinha do Brasil. A unidade totalizava (no papel) quase trinta aviões de diversos modelos, desde os pequenos De Havilland D.H. 60T até os gigantescos hidroaviões Savoia-Marchetti SM.55A.
Do lado dos Constitucionalistas, a história foi bem diferente. Havia apenas um aeródromo militar digno de nota em São Paulo, o Campo de Marte. Como uma das primeiras ações de guerra do conflito, os revolucionários trataram de se apossar do local, garantindo o controle das instalações e dos aviões presentes. As únicas aeronaves dignas de nota aprendidas neste momento foram dois Potez 25 TOE e dois Waco CSO, que formaram o núcleo do que seria conhecido como 1.º G.Av.C (Grupo de Aviação Constitucionalista).
Ainda nesta fase de primeira confrontação, os revoltosos incorporaram à sua frota mais dois aviões, os quais os pilotos desertaram das forças Federais: um outro Potez 25 TOE e um Nieuport-Delage NiD.72 C1. A estes se juntavam um pot-pourri de diversos outros modelos civis apreendidos e cedidos, que prestavam serviços de ligação, reconhecimento e cooperação com o exército em fronts menos ativos, sob a égide da outra formação aérea paulista, o Grupo Misto de Aviação Constitucionalista.

Apesar dos consideráveis recursos em mãos, ambos os lados da contenda sabiam que teriam que investir em outras aeronaves, para pender a balança definitivamente para seu lado. Os Federalistas foram os primeiros a se mover em busca de uma vantagem pela supremacia dos ares, que estava demonstrando difícil de ser conquistada, apesar da superioridade numérica desta frente a aviação Constitucionalista. Um grande contrato, de 36 Waco C90, assinado algumas semanas após o início do conflito, era o suficiente para alardear os Constitucionalistas, que logo reagiram.
Contornando o bloqueio do Governo Federal, os revoltosos negociaram um acordo com a subsidiária da Curtiss Wright Corporation no Chile, para a compra de 9 aviões Curtiss Falcon O-1E, que se tornariam os aviões mais avançados a participar da Revolução. Os Falcon eram aeronaves que facilmente poderiam superar os Waco e Potez Federais em velocidade de mergulho e razão de subida – e, apesar de terem sido desenvolvidas como aeronaves de caça-bombardeio, sua principal missão seria conseguir a supremacia sobre os céus do front leste, onde a situação já se demonstrava desesperadora para os Constitucionalistas.
Antes mesmo da introdução destas novas aeronaves no conflito, cada lado já havia definido sua doutrina para a guerra aérea que estava por se desenrolar: ambas as forças decidiram concentrar a maioria dos seus recursos nas zonas mais ativas e sensíveis do conflito: os Front Litoral e Front Leste, que emcomam um grande arco que percorre a divisa entre os estados do Rio de Janeiro e São Paulo, do mar até a fronteira com outro estado brasileiro, Minas Gerais. Para isso, a construção de bases aéreas avançadas se tornou imprescindível para ambos os lados, com o intuito de terem uma presença aérea mais constante sobre o front.
No entanto, as semelhanças param por aí. Do lado Federalista, a doutrina consistia em patrulhas diárias compostas por pelo menos um par de aviões, atuando como líder e ala, muitas vezes em formação escalonada. Muitas das missões de bombardeio também contaram com escolta de pelo menos um ou dois aviões, principalmente após a chegada dos Waco C90, designados especialmente para essas missões de cobertura aérea. No entanto, os aviões designados para missões de reconhecimento muitas vezes se aventuram sozinhos no espaço aéreo inimigo, tendo que se defender de qualquer adversário que os atacasse por conta própria.
Para os Federalistas, a aviação era vista mais como elemento de guerra psicológica do que arma de guerra propriamente dita. Não foram raras as vezes que na aparição dos famosos vermelhinhos nos céus do front, os Constitucionalistas se punham em fuga ou se rendiam aos soldados Federalistas. Tal perspectiva era facilitada devido simplesmente ao seu maior número, com os destacamentos aeronáuticos Federalistas atuando em bases fixas, com seções de aeronaves designadas para cada parte do front. Apesar de muitos pilotos federais fazerem mais de uma surtida por dia, as horas-voo ficavam próximas daquelas que seus semelhantes faziam durante os tempos da Primeira Guerra.

Em contrapartida, a aviação Constitucionalista não poderia ser mais diferente. Devido a seu menor número, os aviadores paulistas atuavam de maneira itinerante, se deslocando a cada 2-3 semanas para uma zona diferente de combate. Isso causava um problema, em especial, com relação ao desgaste de pilotos e máquinas, que não pôde ser bem sentida devido a curta duração do conflito – mas que certamente seria um grande transtorno se a guerra se estendesse por mais alguns meses. Segundo dados, se computa que um aviador Constitucionalista voava em média 5 surtidas de combate por dia, o que exigia ao máximo da força física e psicológica de cada equipe de voo.
Além do mais, as aeronaves revoltosas atuavam em cooperação mais próxima com as forças de terra, atacando comboios de munições e víveres, além de concentrações de tropas, geralmente em incursões compostas por um ou dois aviões. Eram evitados alvos mais bem defendidos, como aeródromos e os navios da marinha que realizavam o bloqueio da costa de São Paulo, já que a aviação Constitucionalista não poderia arcar com qualquer perda em combate. No entanto, não se poderiam simplesmente negar no plano estratégico ataques a estes objetivos tão valiosos.
Por conta disso, eram realizados planejamentos minuciosos quando finalmente era dado aval para uma missão mais arriscada. Os Constitucionalistas preferiam realizar um acúmulo de força contra tais objetivos, desferindo ataques com três ou até mesmo quatro aeronaves, com uma delas sempre atuando no papel de escolta do grupo. A maior pressão destas incursões era colocada sobre o único caça “puro-sangue” disponível em mãos revoltosas, o Nieuport NiD.72, que teve suas funções aliviadas com a chegada dos Curtiss O-1E Falcon.
Apesar destas estratégias e evoluções táticas, em grande medida, os combates aéreos na Revolução Constitucionalista normalmente se degeneravam em uma refrega ao estilo daquelas dos primeiros anos da Primeira Guerra Mundial: aviões em missão de observação e bombardeio se encontravam ao acaso nos céus. Como eram na maioria bipostos, enquanto os pilotos tentavam encontrar uma posição para disparo, os observadores faziam sua parte, disparando as metralhadoras traseiras das aeronaves uns contra os outros. Depois de uma breve escaramuça, que causava geralmente danos em aeronaves dos dois lados, ambas os contendentes davam o dia por cumprido e retornavam a suas bases.
Apesar disso, houve sim grandes combates, como aqueles do dia 8 de agosto, que denunciaram o primeiro abate de avião em combate na América do Sul, e o do dia 23 de agosto, marcado por dois interessantes combates aéreos em duas partes distintas do front. Ao fim, as tripulações aéreas realizavam o melhor que podiam com o material que tinham em mãos – encontrando um inimigo nos céus, a maioria dos pilotos de um lado ou outro preferia travar combate ao invés de fugir para as próprias linhas. Honra e coragem eram os adjetivos que melhor definem os pilotos Federalistas e Constitucionalistas neste conflito.
Lista das Forças Aéreas envolvidas*
ARMA AÉREA DO EXÉRCITO (FEDERALISTAS) |
ARMA AÉREA NAVAL (FEDERALISTAS) |
FORÇA AÉREA PAULISTA (CONSTITUCIONALISTAS) ** |
Waco C90 = 36 (10)*** |
D.H. 60T = 12 (6) |
Curtiss O-1E = 9 (4)***** |
Potez 25 TOE = 12 |
S.M. 55A = 7 (6) |
Nieuport Ni.80 E2 = 4 |
D.H. 60 Moth = 11 |
Avro 504 N/O = 6 (2) |
Curtiss J-2 = 3 |
Waco CSO = 5 |
Vought O2U-2A = 4 |
Waco CSO = 3 |
Nieuport NiD.72 = 3 (1) |
Martin PM-1b = 3 |
D.H. 60 Gipsy Moth = 2 |
LeO 253 Bn.4 = 3 (0)**** |
|
Hanriot H.410 = 2 |
Amiot 122 Bp3 = 2 (1) |
|
Morane MS29 = 2 |
|
|
Potez 25 TOE = 2 |
|
|
Potez 32 = 2 |
|
|
Curtiss JN-4A = 1 |
|
|
Nieuport NiD.72 = 1 |
* Contando apenas os números brutos, mencionando as unidades utilizadas em combate, retidas para funções de segunda linha, ou mantidas na reserva durante a guerra – entre parênteses, quando necessário, são apresentados os números reais de aeronaves utilizadas em operações de combate.
** As aeronaves mencionadas na tabela representam apenas os principais modelos utilizados pelos Constitucionalistas em operações de guerra (caça, bombardeio, reconhecimento, ligação e treinamento). De acordo com dados recolhidos de diversas fontes, o número total de aviões utilizáveis que serviram à causa Constitucionalista é próximo de 30.
*** Apenas 10 da ordem original de 36 foram montados antes do fim das hostilidades. Os Waco desse lote pertenciam a duas versões: a primeira eram os C90 originais, versões nativas do modelo militarizadas nacionalmente no Brasil; a segunda eram os C90/M, versões verdadeiramente militares do modelo compradas diretamente da Waco Aircraft Company, e equipadas com motores mais possantes.
**** Não foram utilizados devido a falta de tripulações treinadas.
***** Dos 9 (algumas fontes afirmam 10) encomendados, apenas 4 chegaram às mãos dos Constitucionalistas – eram eles o ‘Kavuré-Y’, ‘Kyri-Kyri, ‘Taguató’ e ‘José Mário’.
Principais eventos da guerra aérea na Revolução Constitucionalista
10.07.1932 (Manhã). Primeira missão aérea da guerra: Waco CSO Paulista é enviado ao Rio de Janeiro, em missão de lançamento de panfletos sobre a capital federal.
10.07.1932 (Tarde). Federalistas reagem, lançando sua própria missão de lançamento de folhetos sobre a capital revolucionária, com um Potez 25 TOE e um Vought O2U-2A. Apesar de os Constitucionalistas estarem realizando no mesmo momento uma patrulha sobre os céus de São Paulo com dois Waco CSO e um Nieuport Ni.80 E2, nenhum combate foi registrado entre os dois grupos.
13.07.1932. Um Potez TOE 25 Federalista é destacado para uma missão de bombardeio em Queluz, na divisa entre os estados do RJ e SP. O avião ataca concentrações de tropas revoltosas e retorna posteriormente para a base. Em uma segunda incursão no dia, um outro Potez TOE 25 legalista é destacado para uma missão de reconhecimento perto de Bananal. Na ocasião, o avião foi interceptado por um Waco CSO paulista. O primeiro combate aéreo registrado na história da aviação brasileira se desenvolve, com ambas as aeronaves retornando às suas bases intactas.
14.07.1932. Primeira deserção aérea da guerra, quando um Waco (CSO-C03) Federalista é sequestrado pelo piloto Arthur Motta da Lima Filho, sendo entregue posteriormente a aviação Constitucionalista.
15.07.1932. Um Waco CSO Federalista, destacado para uma missão de escolta, intercepta um D.H. 60 constitucional, que fazia missão de observação perto de Taubaté. Tentando se esquivar do combate, o piloto do D.H. 60 realiza um pouso forçado dentro das próprias linhas. No entanto, o Waco metralha seu oponente no chão, danificando extensamente o Gipsy Moth constitucional. É a primeira perda de aeronave por ação bélica na guerra.
16.07.1932. O primeiro grande raid da guerra: 6 aviões Federalistas (2 Potez 25 TOE, 2 Waco CSO, um Vought O2U-2A e um Amiot 122 Bp3) são destacados para uma missão conjunta de bombardeio sobre São Paulo, tendo como principal objetivo o Campo de Marte (QG geral da aviação Constitucionalista). Apesar de todos os aviões retornarem a salvo para base depois da incursão, os resultados do raid foram decepcionantes.
17.07.1932. Um outro raid é planejado e executado pelas forças governistas, novamente contra o Campo de Marte: 4 aviões, desta vez 3 Potez 25 TOE e um Amiot 122 Bp3 realizam uma corrida de bombardeio sobre o campo de pouso, infligindo poucos danos ao local. Novamente, todos os aviões retornam intactos à base.
18.07.1932. Dois Vought O2U-2A Corsair da Arma Aérea Naval, em patrulha próximo de Paraty, interceptaram um Waco CSO paulista. Uma breve escaramuça se desenvolveu entre os três aparelhos; no entanto, o avião paulista conseguiu se desvencilhar do combate, partindo a grande velocidade em direção às linhas amigas.
19.07.1932. Quarto Vought O2U-2A Corsair são despachados em uma missão de apoio aéreo cerrado sobre Cunha, sob assédio governamental. A incursão abre caminho para um ataque geral federalista no dia seguinte sobre a cidade, que resiste e permanece em mãos constitucionais.
20.07.1932. Três Waco CSO e três Potez 25 TOE Federalistas realizam missões de bombardeio a forças terrestres constitucionalistas, perto de São José do Barreiro.
26.07.1932. Um Potez 25 TOE Federal ataca a base e o QG sub-regional da aviação Paulista no Vale do Paraíba, na cidade de Itapetininga.
27.07.1932. Primeira missão de bombardeio estratégico na América Latina: dois SM.55A e um Martin PM-1b, com escolta de dois Vought O2U-2A Corsair da Arma Aérea Naval, partem em missão de ataque contra a usina elétrica de Cubatão, essencial para o esforço de guerra Constitucionalista. Apesar de bem planejada, a incursão acaba em fracasso, devido a problemas mecânicos em um dos Savoia e desencontro entre os bombardeiros e a escolta.
28.07.1932. Um novo ataque realizado pelo Potez 25 TOE Federalista à base de Itapetininga. Apesar de um Waco CSO paulista se encontrar estacionado no local na hora exata do ataque, o avião escapou sem avarias da agressão.
29.07.1932. A aviação Paulista retalia os ataques à base de Itapetininga. Dois Potez 25 TOE são despachados para atacar o avião governista que havia bombardeado e metralhado o local nos dias precedentes. O ataque é um sucesso, com os Potez Constitucionalistas destruindo o homólogo governista no chão.
29.07.1932. Enquanto os paulistas executam o ataque acima descrito, forças da Arma Aérea Naval atacam o porto de Cubatão, com um SM.55 e Vought O2U-2A. As consequências deste ataque são mínimas.
08.08.1932 (Manhã). Um solitário Potez 25 TOE governista, enquanto realizava patrulha perto de Bananal, é interceptado por uma formação mista de dois Waco CSO e um Potez 25 TOE paulistas. Depois de uma rápida refrega, os pilotos Constitucionalistas alegam vários hits no avião. No entanto, apesar de danificado, o Potez federal consegue retornar a sua base de origem.
08.08.1932 (Tarde). Perto das 16h, um segundo encontro: perto de Buri, novamente três aviões paulistas e um governista se encontram nos céus do front. Um combate se desenvolve entre as partes, com o avião governista (Potez 25 TOE matrícula A-117) sendo obrigado a fazer um pouso forçado devido a danos sofridos no embate. Segundo se sabe, este foi o primeiro relato de um abate aéreo na América do Sul.
12.08.1932. Agora é a vez dos federalistas retaliarem: dois Vought O2U-2A e um Potez 25 TOE desfecham um novo ataque sobre a base aérea de Itapetininga. Poucos danos são causados, e nenhuma baixa ou combate aéreo é registrado.
13.08.1932 (Madrugada). O primeiro ataque aéreo noturno registrado na história da América do Sul. Um Waco CSO Constitucionalista bombardeia o campo aéreo de Resende, principal base aérea federal no Front Leste. Poucos danos são registrados como consequência do bombardeio.
13.08.1932 (Tarde). Um novo encontro entre aeronaves Constitucionalistas e Federalistas: depois de missão de apoio aéreo cerrado perto da cidade de Areias, um Potez 25 TOE e dois Waco CSO paulistas cruzam com um Potez 25 TOE governista. Novo combate aéreo nos céus do front do Vale do Paraíba, com apenas danos leves sofridos por alguns dos aviões envolvidos na batalha.
14.08.1932 (Manhã). Os Federalistas desfecham um contragolpe às 9:45 da manhã. Cinco Potez 25 TOE e dois Waco CSO (outras fontes afirmam que a composição da formação era de dois Potez, dois Nieuport NiD.72, dois Waco CSO e um Amiot 122 Bp3) atacam a base aérea de Lorena, local de onde se originou o ataque noturno paulista. Dois Potez 25 TOE e três Waco CSO se encontravam no chão na hora do ataque. Todos os aviões paulistas decolam para responder ao ataque. Um breve escaramuça se estabelece sobre a base aérea, com nenhum avião sendo abatido no combate.
14.08.1932 (Tarde). Com a aproximação das forças governistas por terra, o Grupo de Aviação Constitucionalista abandona definitivamente o campo aéreo de Lorena, que servira como a principal base aérea avançada Constitucionalista e elo de ligação entre as operações aéreas nos fronts Litoral e Leste. Tal deslocamento arrefece os combates novamente na área.
20.08.1932. Segundo importante deserção aérea da guerra, quando um dos Nieuport NiD.72 federalistas é sequestrado pelo piloto Adherbal da Costa Oliveira, sendo entregue posteriormente a aviação Constitucionalista. Cabe lembrar que este era um dos apenas dois NiD.72 operacionais na força aérea federal, o que enfraquece substancialmente o poderio aéreo legalista.

22.08.1932. Um intenso combate aéreo se desenvolveu perto da cidade de Queluz, na fronteira entre os estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Um Waco CSO e o Nieuport NiD.72 paulistas se depararam contra um Potez 25 TOE, um Waco CSO e um Nieuport NiD.72 federalistas. Apesar da ferocidade do combate, nenhum dos aviões sofreu danos sérios.
23.08.1932 (Manhã). Em uma das ações mais bem sucedidas da aviação legalista durante o conflito, dois Potez 25 TOE, dois Waco CSO e um Nieuport NiD.72 federalistas bombardearam o campo de pouso de Guaratinguetá, que havia se transformado na principal base aérea avançada dos revoltosos depois do abandono de Lorena. Um Potez 25 TOE (matrícula A-116) paulista estacionado no campo foi completamente destruído devido a incursão.
23.08.1932 (Tarde). No setor norte, se desenvolveram dois combates aéreos. Um Potez 25 TOE e um Waco CSO paulistas enfrentam dois Potez 25 TOE federais. Mais tarde, no mesmo dia, é a vez de um Nieuport NiD.72 e um Waco CSO paulistas enfrentarem uma composição idêntica de aviões federalistas. Em ambos os encontros, nenhum abate é anunciado.
25.08.1932. Primeiros Waco C90 e C90M são entregues para as forças legalistas estacionadas no front, integrando o Destacamento Resende. Equipados com duas metralhadoras Browning 0.30 que atiravam pelo arco da hélice, se esperava que tais aviões retomassem o controle dos céus para a aviação Federal.

03.09.1932 (Manhã). Primeira operação de guerra dos Curtiss Falcon Constitucionalistas, quando um solitário O-1E, pilotado pelo americano Orton Hoover e tendo como observador Juvenal Paixão, ataca a flotilha fluvial federalista do Rio Paraguai. Poucos danos são infligidos na incursão.
03.09.1932 (Tarde). Em cooperação com a Marinha, um raid é realizado sobre a Fortaleza de Itaipu, principal defesa do porto de Santos e que havia se transformado na principal via de comunicação dos Constitucionalistas com o mundo exterior. Três SM.55A e um Vought 02V-2A da Arma Aérea Naval bombardeiam o local, causando danos leves à fortificação.
05.09.1932 (Manhã). Novo raid das forças aeronavais contra a Fortaleza de Itaipu, com o intuito de destruir definitivamente as defesas do bastião. Três SM.55A e dois Martin PM-1b são destacados para a operação, que despejou mais de uma tonelada de bombas sobre o forte. O segundo ataque se provou perfeito do ponto de vista estratégico e tático, com a fortaleza sendo reduzida sem a perda de nenhuma aeronave envolvida na incursão.
05.09.1932 (Tarde). Quem também retornam para uma segunda ofensiva são os Falcon a Ladário (Mato Grosso do Sul), sede da flotilha do Rio Paraguai. Desta vez, o ataque é mais bem sucedido, com o O-1E danificando levemente o Monitor Pernambuco.
11.09.1932. Um Waco federalista (matrícula CSO-C08) é abatido por fogo antiaéreo enquanto realizava um ataque a uma composição ferroviária, próximo da cidade de Casa Branca. Piloto e copiloto são mortos no combate.
13.09.1932. Três Waco CSO e um Nieuport NiD.72 paulistas são destacados para uma operação de apoio cerrado perto da cidade de Queluz. Apesar da operação ser um sucesso, o Nieuport é danificado por fogo antiaéreo, tendo que ar uma semana em reparos.
18.09.1932. Um Potez 25 TOE Constitucionalista é interceptado por dois Waco C90 e um Potez 25 TOE Federalistas perto de Cruzeiro. Depois de um combate aéreo que dura alguns minutos, ambos os lados se retiram do campo de batalha sem baixas.
21.09.1932. Um Curtiss Falcon e um Waco CSO paulistas são interceptados perto de Pedreira (SP) por um Waco C90 federal. O combate se desenvolve sobre a terra de ninguém, com ambos os lados conseguindo fazer hits nos seus adversários. No entanto, nenhum avião é abatido.
20.09.1932. Uma das maiores incursões paulistas da guerra, quando dois Curtiss Falcon, um Waco CSO e um Nieuport NiD.72 desencadearam um ataque sobre a base aérea de Mogi-Mirim. Os aviadores legalistas foram pegos de surpresa com o ataque, com os quatro Waco (dos modelos CSO e C90) estacionados no local sendo alvos fáceis para a formação atacante. Depois que os aviões Constitucionalistas se retiraram, puderam realmente ser contabilizados os danos: dois dos aviões federalistas foram completamente destruídos, enquanto outros dois sofreram danos leves.

24.09.1932. Em um audaz e desesperado ataque, dois Curtiss Falcon e um Waco CSO Constitucionalistas bombardeiam a esquadra federal que realizava o bloqueio ao largo do porto de Santos, tendo como principal alvo o cruzador Rio Grande do Sul. A incursão foi um fracasso, com um dos Falcon Constitucionalistas sendo abatido por armas antiaéreas do navio.
01.10.1932 – Em uma das últimas operações aéreas da guerra, três Falcon O-1E Constitucionalistas realizam um ataque diversionário na cidade de Ladário, atacando a força fluvial destacada para a defesa do Rio Paraguai. O rebocador federal Voluntário, fundeado no local, foi ligeiramente danificado no combate. A esquadrilha naval destacada para proteção da base (dois Avro 504 N/0 equipados com flutuadores) não decolou para enfrentar a ameaça.
As lições da guerra aérea no Brasil
Apesar de curta em sua duração, as lições dos combates aéreos nos céus do Brasil se provaram elementos duradouros na doutrina tática nacional da aviação no pós-guerra. Isso pode ser constatado pela rápida expansão do braço aeronáutico no seio das forças armadas brasileiras, com a aquisição de diversos modelos que robusteceram o arsenal do país ainda entre o meio/final da década de trinta.
Não é para tanto que, se em 1930 o Brasil tinha uma das forças aéreas menos expressivas na América do Sul, em 1937, o país continha uma excelente arma aérea (entre marinha e exército), se comparada obviamente com seus vizinhos sul-americanos. A incorporação de algumas aeronaves, como os Boeing F4B, Focke-Wulf FW 58B e um novo lote de Vought O2U Corsair na segunda metade da década, elevara certamente o país a grande potência aeronáutica da América Latina nesta época.
No entanto, outras lições foram aprendidas, em especial, por intermédio dos derrotados Constitucionalistas: apesar de terem apenas um punhado de aviões considerados de primeira linha, as táticas de mobilidade e concentração em pontos delimitados basicamente anulou a superioridade aérea Federal durante grande parte do confronto, até que o peso dos números começasse a alterar o equilíbrio da balança definitivamente em favor das forças legalistas.

Cabem apenas as hipóteses a respeito do que poderia ter acontecido com a guerra aérea se as operações terrestres em si tivesse durado mais algumas semanas, ou até mesmo, meses: com a dotação completa de Falcons, será que os Constitucionalistas ganhariam o controle dos céus? Qual seria a resposta Constitucionalista, assim que a totalidade dos Waco C90 encomendados pelos federais estivessem em operação? E qual teria sido o impacto operacional da utilização dos colossais LeO 253 Bn.4 Federalistas, que foram mantidos em reserva durante todo o conflito? Jamais saberemos ao certo, sendo apenas ses no grande exercício das suposições…
O que se pode dar como certo são os números brutos de perdas de aeronaves por cada lado, durante as operações da guerra de 1932; para os Constitucionalistas, estas seriam de: dois Potez 25 TOE, um Curtiss O-1E e um D.H. 60 Gipsy Moth. Para os Federalistas, as perdas operacionais foram as seguintes: quatro Waco (modelos CSO e C90), dois Potez 25 TOE, dois D.H. 60T Moth, um Martin PM-1b e um Vought O2U-2A.
Referências:
Artigo A Aviação Constitucionalista na Revolução de 1932, pelo Coronel de Engenharia Cláudio Moreira Bento
Artigo O emprego da Aviação na Revolução Constitucionalista de 1932, pelo Coronel-Aviador Manuel Cambeses Junior
Livro Gaviões de Penacho, pelo Major-Brigadeiro Lysias Augusto Cerqueira Rodrigues
Livro The Paulista War: The Last Civil War in Brazil, por Javier Garcia de Gabiola
Livro Um Céu Cinzento, por Carlos Roberto Carvalho Daróz
Leia também: