Dentre os inúmeros aviões de combate da Segunda Guerra Mundial, o North American P-51 Mustang certamente está entre os mais famosos do conflito. Eternizado como o “Cadillac dos Céus”, o P-51 ficou famoso principalmente por sua atuação como caça de escolta, acompanhando bombardeiros pesados em incursões pela Europa e demais teatros.
Com o fim do conflito, o Mustang foi ultraado pelos novos caças a jato, mas no mercado civil o modelo ainda tinha gás. E foi dentro desse setor que surgiu uma “estranha” conversão de um clássico da Segunda Guerra, adaptada para conflitos bem diferentes.
A partir do Cavalier Mustang III, surgia o Piper Enforcer.
Executivos
Após a guerra, vários aviões militares acabaram tendo uma destino diferente, encontrando serviço no mundo civil. Com o P-51 não foi diferente. Já muito irado por sua performance durante a guerra, o Mustang achou uma “sobrevida” como aeronave executiva. Nessa onda, o publicitário David Lindsay criou em 1957 a Trans Florida Aviation Inc, especializada na transformação dos P-51 para essa nova missão.
Os aviões eram desmontados, com remoção completa dos rádios e equipamentos militares. Na reforma, o cockpit era estendido para receber duas pessoas e o interior era modificado, com peças em couro e aviônicos atualizados. Por fim, o avião ainda recebia bagageiros e mais tanques de combustível para estender o alcance do “caça executivo.” Após convertidos, os aviões eram chamados de Cavalier Mustang. Mais tarde, Trans Florida Aviation virou a Cavalier Aircraft Corporation.
De volta para o serviço militar
Cerca de 25 Mustangs foram convertidos para a aviação executiva, mas em 1967 o já bastante veterano P-51 voltaria ao serviço militar. A Cavalier foi contratada pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos para “retransformar” os Cavalier Mustangs em F-51D, como o caça foi designado após a guerra.
Modernizados, os aviões foram otimizados para missões de ataque ao solo e foram vendidos para Bolívia, como parte do apoio militar dos EUA ao país sul-americano.

A partir dos “novos” F-51, a Cavalier desenvolveu o Mustang II. Projetado para missões de e Aéreo Aproximado (CAS) e Contra-insurgência (COIN), a nova variante recebeu um motor mais potente, novos aviônicos e reforços estruturais, que permitiram a adição de mais armamentos e a instalação de tanques de combustível nas pontas das asas. Os Mustang II foram vendidos para as forças aéreas da Indonésia e El Salvador.
Mustang turboélice
Após obter sucesso com os F-51, a Cavalier foi além e decidiu modificar ainda mais o veterano caça, ainda com olhos para as funções de COIN. Cabe destacar que na época, diversas forças aéreas com menos recursos ainda operavam aeronaves mais antigas. Em paralelo, durante a Guerra do Vietnã, os EUA empregaram modelos como o A-1 Skyraider e A-26K Counter Invader nestas mesmas missões.
A equipe de Lindsay criou o Turbo Mustang III, cuja principal diferença (e mais visível também) estava no motor. Saiu o Rolls Royce Merlin e entrou o turboélice Rolls Royce Dart série 500, similar ao usado no Fokker F27 e Handley Page Dart Herald. Além dos reforços estruturais do Mustang II, o P-51 turboélice recebeu blindagem adicional da britânica Bristol no cockpit e no motor.

Com as modificações, o P-51 teve um ganho de performance e carga útil, bem como uma redução nos custos de manutenção. No entanto, o Turbo Mustang III não teve para vendas a mesma atenção que recebeu por seu visual.
Piper
Mesmo sem obter clientes para o Turbo Mustang, Lindsey não desistiu do avião e entrou em parceria com a Piper, vendendo o projeto para a empresa que tinha mais capacidade de produção. Em paralelo, o empresário encerrou a Cavalier para seguir a parceria com a Piper, criando a Field Services Incorporated, que continuou a produção dos F-51 para a Indonésia.
Para chamar atenção da Força Aérea Americana (USAF), a Piper modificou todo o design do Turbo Mustang III, que ou a ser chamado de PA-48 Enforcer. Começando pelo motor, saiu o Rolls Royce Dart e entrou o Lycoming T55. O cockpit recebeu um assento ejetável e o ar-condicionado do Piper Cheyenne.

A fuselagem foi estendida e reforçada para aguentar a força de recuo dos canhões de 20 mm, que seriam carregados debaixo das asas. As próprias asas também foram estendidas e reforçadas, recebendo cinco pontos duros em cada, comparados com os três por asa do Mustang III. O PA-48 recebeu uma camuflagem verde, no padrão Europe One.
Usando dois F-51, a Piper fez os protótipos designados PE-1 e PE-2, com o segundo sendo uma aeronave de dois assentos, que mais tarde foi perdido em um acidente na Flórida.
USAF
Apesar das semelhanças visuais com o P-51, o PA-48 compartilhava menos de 10% de componentes do Mustang original. A Piper desenvolveu dois protótipos, designados PE-1 e PE-2, com o segundo sendo uma aeronave de dois assentos, que mais tarde foi perdido em um acidente na Flórida.
Entre 1971 e 1972, o único Enforcer restante foi avaliado pela Força Aérea Americana durante o programa PAVE COIN. Durante os testes, o Mustang turboélice apresentou uma boa performance e obteve bons resultados, mas não garantiu contratos.
Por mais oito anos, Lindsey esteve junto com a Piper em conversas com congressistas, buscando uma reavaliação do PA-48 pela USAF, até obter um contrato em 1979. A USAF forneceu US$ 11,9 milhões para construção de mais dois protótipos, que mais tarde foram avaliados em 1983 e 1984. Apesar das semelhanças visuais com o P-51, o PA-48 compartilhava menos de 10% de componentes do Mustang original.

Novamente, os PA-48 foram bem avaliados; novamente, a Força Aérea Americana não comprou nenhum avião. Na época, a USAF alegou que simplesmente não precisava de aviões como o Enforcer, uma vez que já dispunha de uma frota considerável de A-10 Thunderbolt II, um já bem conhecido jato de ataque ao solo, que hoje se aproxima da sua aposentadoria.
Assim, a Piper desistiu de tentar vender o “Super Mustang”. Dos quatro PA-48 produzidos, dois ainda estão preservados: um no Museu de Testes de Voo da Força Aérea, na Base de Edwards, e outro no Pima Air & Space Museum, no estado do Arizona.
Ironicamente, anos mais tarde a USAF abriu diversas concorrências para adquirir aeronaves que cumpriam a mesma função do PA-48. Dentre os aviões avaliados estava o brasileiro A-29 Super Tucano da Embraer, dos quais apenas três unidades foram adquiridas. No fim, através de outra disputa, a Força Aérea está comprando o OA-1K.