No verão dos Estados Unidos os incêndios florestais são sempre um grande problema, principalmente nos estados da Califórnia e Alasca. Milhares de hectares de terra e mata são dizimados pelo fogo todos os anos, além das perdas de vidas humanas e animais e o prejuízo com a destruição de carros, residências e demais propriedades.
Segundo o Serviço de Pesquisas do Congresso, somente em 2022 foram registrados 68,9 mil incêndios florestais, destruindo 3,07 milhões de hectares .
Há décadas os EUA usam aeronaves no combate aos incêndios florestais, desde pequenos helicópteros que transportam bombeiros e brigadistas à linha de fogo até grandes jatos comerciais, como o DC-10 e o Boeing 747-400 Supertanker. São vários modelos, mas hoje vamos falar especificamente de uma aeronave de asas rotativas: o S-70 Firehawk.
História
O Sikorsky S-70 Firehawk é uma das diversas variantes do UH-60 Black Hawk, modelo desenvolvido pela Sikorsky (companhia que hoje faz parte da Lockheed Martin) para substituir o clássico UH-1 Huey do Exército dos EUA. O Black Hawk esteve presente em inúmeras operações militares no mundo todo, provando seu valor e mostrando suas capacidades na inserção e extração de tropas, evacuações aeromédicas, transporte de suprimentos, busca e resgate e várias outras missões.
No Brasil, o Black Hawk está em serviço na Força Aérea Brasileira e no Exército Brasileiro, enquanto a Marinha do Brasil emprega o S-70B Seahawk em missões de resgate, patrulha e guerra antissubmarino/antissuperfície.
No final década de 1990 o Corpo de Bombeiros do Condado de Los Angeles (LACoFD) se uniu à Sikorsky e à United Rotorcraft para desenvolver uma versão do Black Hawk com capacidade de combate a incêndios. Assim, rês S-70A Black Hawks adquiridos pelos bombeiros foram modificados pela United para atuar nesta nobre missão.
As modificações
É importante destacar que o Black Hawk já poderia ser usado como plataforma de combate a incêndio, mas para isso ele empregava uma ferramenta chamada Bambi Bucket. Criado pelo canadense Don Arney, o bambi bucket é um dos instrumentos mais usados nos incêndios florestais. Basicamente é um cesto carregado pelo gancho da fuselagem do helicóptero com uma abertura no fundo, operada mecanicamente.
O cesto é preenchido com água ao ser mergulhado em um lago, mar, rio ou até mesmo uma piscina (o que ocorre de forma bastante comum). O helicóptero voa até o fogo, despeja a água e a operação se repete múltiplas vezes. Apesar da versatilidade, o bambi bucket não carrega tanta água. Outra limitação é o uso de químicos retardantes, que precisariam ser reabastecidos junto com a água.

A United Rotorcraft realizou, junto à Lockheed, o desenvolvimento de um pacote de modificações que transformaria o Black Hawk no Firehawk, um verdadeiro Black Hawk de bombeiros. São duas modificações principais: um tanque de água ventral e a extensão dos trens de pouso frontais.
O Firehawk possui um tanque com capacidade para transportar e lançar 3785 litros d’água, ou seja, 1287 litros a mais que a capacidade máxima do maior Bambi Bucket empregado pelo Black Hawk.
Integrado ao tanque principal, o Firehawk possui um tanque menor de 114 litros para a mistura de químicos retardantes, produto muito usado em combates a incêndios florestais e reconhecido pela cor vermelha. O tanque também possui um spray interno para limpeza e as portas em forma de V permitem que a água seja despejada com força e precisão, atravessando folhas, galhos e arbustos para atingir as chamas.
Para receber o tanque na barriga, os trens de pouso frontais do S-70 foram estendidos em 45,7 centímetros. Estribos maiores foram instalados para o embarque e desembarque de bombeiros e tripulantes.

O Firehawk pode reabastecer seu tanque de duas formas. Uma é pousando a aeronave e enchendo-o com água através de uma abertura, o que pode ser feito com uma viatura de bombeiros, por exemplo. Porém, a principal maneira é o uso do snorkel retrátil integrado.
O equipamento é uma mangueira rígida de 3,6 metros, montada no lado direito do tanque. Quando o tanque precisa ser reabastecido, o piloto leva o helicóptero até uma fonte de água, aciona o comando que estende a mangueira e uma bomba começa a sucção.
As primeiras versões do Firehawk tinham uma bomba com força suficiente para completar o reabastecimento em 1 minuto. Já o S-70imais novo, recebeu uma bomba capaz de reabastecer o tanque em apenas 45 segundos. Com o tanque cheio, a mangueira é recolhida e o helicóptero parte para o fogo.
A força da bomba vem dos dois motores turboeixo General Electric T700-GE-401D, cada um podendo gerar uma potência máxima contínua de 3356 shp.

“Essas máquinas estão ando por algumas das condições mais extremas que você pode imaginar em um helicóptero. Toda vez que a aeronave está combatendo um incêndio, ela atinge a potência máxima de seis a oito vezes por hora. Deve lidar com o calor, mas também com o trabalho pesado quando o tanque está cheio de água”, disse Bill Neth, gerente de programas do cliente da GE Aviation.
É justamente o design militar do Black Hawk que permite que o Firehawk aguente as exigências do voo de combate a incêndio. O helicóptero é capaz de fazer curvas de 4G com o tanque completamente cheio, voando em meio à fumaça densa e quente.
Com o das operações do UH-60 no Oriente Médio, a GE melhorou a performance dos T700 em condições de alta temperatura, enquanto a Sikorsky fez melhorias nas pás do rotor principal. Dentre os opcionais do cliente estão um filtro nas entradas de ar e as pás dobráveis para transporte.
Além do combate ao fogo
A principal função do Firehawk é sim o combate às chamas nos incêndios florestais, mas o método de trabalho da aeronave vai depender de quem é operador. Como primeiro cliente do Firehawk, os bombeiros de Los Angeles desenvolveram, ao longo dos anos de operação, as mais diversas técnicas de emprego do Black Hawk.
O Firehawk também é responsável por transportar os bombeiros florestais à linha de combate. A aeronave é capaz de transportar de 11 a 13 brigadistas totalmente equipados (de acordo com a configuração da cabine) deixando-os no local determinado, reabastecendo seu tanque e voltando para a área do fogo.
Esse tipo de operação é feita nos primeiros estágios do incêndio em vegetação, uma fase considerada crítica para o combate já que o fogo está mais fraco. A velocidade máxima de 268 Km/h do S-70, combinada com as bases avançadas dos bombeiros, permite um rápido deslocamento até o foco de incêndio
Além disso, o Firehawk também possui um guincho externo lateral para missões de busca e resgate. Caso o tanque ventral seja removido, a aeronave pode fazer uso do gancho no centro da fuselagem, capaz de carregar objetos de até 4 toneladas. Em missões de evacuação aeromédica, a cabine pode ser configurada para levar até quatro pacientes em macas.
Para o voo pairado de precisão, o Firehawk possui piloto automático digital de quatro eixos, certificado para operações com apenas um piloto. A cabine totalmente digitalizada reduz a carga de trabalho dos pilotos e agiliza as múltiplas operações que a aeronave pode realizar.
Os pilotos também podem usar óculos de visão noturna e o helicóptero pode receber sensor infravermelho (FLIR) ou farol de busca.

Usuários e versões
Como dito anteriormente, o cliente lançador do S-70 Firehawk foi o LACoFD, com três S-70A no final da década de 1990/início dos anos 2000. Hoje a instituição possui mais dois S-70i, a versão mais nova do Firehawk, com uma frota total de cinco aeronaves. Os helicópteros são fabricados na Polônia pela PZL-Mielec, subsidiária da Lockheed, e levadas à United Rotorcraft, no estado do Colorado, onde são modificadas para os serviços de bombeiro.
O S-70i também possui glass cockpit digital, sistema de controle de voo automatizado, controle de vibração ativa e sistema de monitoramento de saúde do veículo. Como opcional, a Sikorsky oferece ADS-B, sistema de planejamento de missão, moving map, radar meteorológico e outros itens.
O Departamento de Florestas e Proteção contra Incêndio da Califórnia (CAL FIRE) possui três S-70i e encomendou um total de 12 aeronaves, o maior pedido até o momento. O Corpo de Bombeiros de San Diego (SDFD), também na Califórnia, possui apenas um S-70i.
Jared Polis, Governador do Colorado, propôs a aquisição de um Firehawk para o orçamento fiscal de 2021-2022 bem como a compra de mais unidades do modelo ainda nesta década. As aeronaves seriam operadas pelo Corpo Aéreo de Combate a Incêndios do Colorado, estado que também sofre nas temporadas de incêndios florestais. A United afirmou que outros vários estados da região oeste dos EUA demonstraram interesse no modelo.
Desde que começou a operar no Condado de Los Angeles, o Firehawk demonstra agilidade, confiabilidade e robustez nas operações de combate a incêndio. Mesmo sendo um ativo caro, com o preço variando entre US$ 19 milhões e US$ 22 milhões de acordo com o pedido, a aeronave é uma arma estratégica contra os incêndios que assolam a região anualmente.
“Pelo dinheiro de um helicóptero, eles poderiam comprar 50 ou 60 viaturas, abrir estações, mas o impacto do Firehawk é incrível”, disse Mike Sagely, piloto sênior de Operações Aéreas do LACoFD, em uma reportagem da Helicopters Magazine.
Curiosidade
O famoso jogo Grand Theft Auto: San Andreas, ou apenas GTA, fez parte (ou ainda faz) da vida de muitos de nossos leitores, inclusive deste editor. Mas o que isso tem a ver com o S-70? Bom, ele esteve no jogo de certa forma.
A produtora Rockstar inseriu o helicóptero no jogo na forma do Raindance. O modelo não possuía o tanque ventral, nem o guincho lateral, mas ostentava uma pintura parecida com a do Firehawk protótipo. No jogo, o ‘S-70 Raindance’ era encontrado em San Fierro e na praia de Santa Maria, localidades que simulavam as cidades de San Francisco e Los Angeles.