Em um mundo aeronáutico dominado por jatos comercias da Airbus, Boeing e Embraer, hidroaviões são “avis raras”, encontrados quase que apenas para servir missões especiais. No entanto, um modelo fabricado pela Rússia chama atenção não só por operar na água, mas também por ser o único avião anfíbio a jato no mundo que pode fazer isso. Projetado para combater incêndios florestais, o Beriev Be-200 é um bombeiro voador russo.
Nas décadas de 1920 e 1930, os hidroaviões dominavam os céus. Gigantes propelidos por dois, quatro, seis e até oito motores à hélices foram fundamentais para desenvolver a aviação que conhecemos hoje. Em uma época muito mais precária, em que aeroportos eram raridade, apenas grandes corpos d’água forneciam o espaço suficiente para a operação desses monstros.
A inevitável evolução das aeronaves acabou, aos poucos, excluindo os modelos anfíbios, que aram a se tornar cada vez mais raros. Por outro lado, o desenvolvimento dessas aeronaves também seguiu, ainda que para atender necessidades específicas.
Beriev A-40
A Companhia Aeronáutica Beriev está entre as empresas russas mais antigas do setor, fundada em 1934 pelo engenheiro militar Georgy Beriev, com em Taganrog, cidade portuária banhada pelo Mar de Azov. Dessa forma, os primeiros modelos criados pela Beriev foram justamente hidroaviões.
Ne década de 1980, a Beriev iniciou o desenvolvimento do A-40 Albatros, um jato anfíbio para a Marinha da antiga União Soviética. O modelo deveria substituir dois aviões de combate, o Be-12 e o Ilyushyn Il-38, empregado em missões de patrulha marítima e guerra antissubmarino. Com 43 metros de comprimento e 41 de envergadura, o jato anfíbio seria equipado com sensores e radares e capaz de lançar sonobóias, torpedos e mísseis antinavio.

Em dezembro de 1986, o A-40 fez seu primeiro voo, ao mesmo tempo em que a empresa construía um segundo protótipo. No entanto, a queda do Muro de Berlim, o fim da Guerra Fria e o colapso da URSS mataram o projeto.
Ainda no desenvolvimento do A-40, a Beriev planejou versões para atender o mercado civil, incluindo uma variante menor, que mais tarde viria a se tornar o Be-200.
Origens
Apesar do A-40 não ter ido pra frente, ainda havia a necessidade para um avião anfíbio, embora não na função militar. Três anos depois do primeiro voo do Albatros, a Beriev focava esforços no desenvolvimento do Be-200, com a missão primária de combater incêndios florestais.

Assim como em outros países, a Rússia também enfrenta problemas com esse fenômenos anualmente. As enormes e densas florestas e as longas distâncias de centros urbanos, também dificultam consideravelmente a chegada de bombeiros e veículos pesados para controlar o fogo. Dessa forma, o Ministério da Defesa Civil, Emergências e Assistência a Desastres da Rússia (EMERCOM) tem sua própria frota de aeronaves para atender essas e outras ocorrências.
Altair
O Be-200 tem o design similar ao do A-40, mas com apenas metade do peso e cerca de 10 metros a menos de comprimento e envergadura. Em 1991, o projeto foi oficialmente apresentado ao público no Show Aéreo de Paris. Em uma época de grave crise na Rússia, a Beriev não tinha recursos para bancar o projeto sozinha, e acabou se inundo com a Irkutsk Aircraft Production Association (atual Irkut Corporation).
A Be ficou responsável por todo o desenvolvimento do jato anfíbio, enquanto a Irkut se comprometeu com a fabricação do avião. Hoje as duas firmas, assim como as demais empresas russas do setor, são parte da United Aircraft Corporation (UAC), um conglomerado estatal.
A Plane heading into water just looks rather strange doesn’t it? 🤔 The Beriev Be-200 Altair is a jet-powered amphibious flying boat built by the Beriev Aircraft Company. It’s designed for fire fighting, search & rescue, maritime patrol, cargo, and enger transportation. pic.twitter.com/uzM2xmRfcf
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Em setembro de 1998, o protótipo do Be-200 fez seu primeiro voo; no ano seguinte, a mesma aeronaves fez sua primeira decolagem da água, partindo da sede da Beriev em Taganrog. O modelo foi batizado de Altair, uma das estrelas da constelação da Águia. O nome também é um acrônimo entre Albatros (A-40), as iniciais da cidade de Taganrog e da parceira Irkutsk. O segundo protótipo do Atair foi produzido na sua verão Be-200ChS/ES, especificamente para o EMERCOM. A organização se tornou a primeira cliente do jato,
Combate aéreo de incêndios
O Be-200 é alimentado por um par de turobofans Progress D-436 na versão TP, que recebeu tratamento anticorrosão para permitir a operação anfíbia. Os motores, também usados no Antonov An-72 e An-148, são montados em uma estrutura mais alta na parte traseira da fuselagem, também para afastá-los da água. O cockpit para dois pilotos e um auxiliar tem seu dominado por seis telas multifuncionais. O sistema de comando é do tipo fly-by-wire.
Para combater incêndios a partir do ar, o Be-200 possui oito tanques d’água, feitos de alumínio e montados debaixo do piso da cabine, com uma capacidade total para 12 mil litros. Outros seis tanques menores são usados com retardantes químicos. Numa operação de combate a incêndio, o jato pode realizar oito lançamentos consecutivos ou despejar todo o material de uma vez.

Da mesma maneira que o Canadair CL-415 e o AirTractor Fire Boss, o Be-200 reabastece os tanques captando água de rios e lagos, usando quatro coletores, chamados de baldes. A aeronave desliza a fuselagem pela água com os coletores abertos, em uma velocidade de 200 km/h, enchendo os tanques em apenas 14 segundos.
Na falta de uma corpo d’água grande o suficiente, o Be-200 pode pousar em um aeródromo e encher os tanques com uso de bombas, numa operação similar à realizada pela Força Aérea Brasileira com o Embraer KC-390. O jato brasileiro usa o sistema MAFFS II, instalado em seu compartimento de carga, capaz de transportar o mesmo volume de água.
Multifacetado
Embora a sua função primária ser o combate a incêndios, o Altair pode cumprir outras missões. A cabine do jato pode transportar até 72 ageiros, ou ainda receber configuração mista de carga e ageiros.
A aeronave também pode ser empregada no transporte aeromédico, transportando 30 pacientes em macas e uma equipe de sete médicos ou enfermeiros. Para cumprir missões de busca e salvamento, o jato pode ser equipado com holofotes, botes infláveis e material de atendimento médico

A UAC ainda oferece uma versão do Be-200 para guerra antissubmarino e patrulha marítima, como o antigo A-40. No entanto, nenhum governo teve interesse nesta variante.
Uma máquina de futuro incerto
Apesar de ser uma excelente ferramenta para combater um fenômeno altamente prejudicial e cada vez mais comum, o Be-200 não esta numa posição muito favorável. Apenas 19 unidades foram produzidas, incluindo os protótipos.
A maior parte dos aviões está em atividade com o EMERCOM. A Aviação Naval e o Ministério da Defesa da Rússia também adquiriram o modelo. Além do emprego dentro do país de origem, a aeronave atuou no combate a incêndios em Portugal, Itália, Grécia, Israel e Turquia.
Ainda em 2002 a Irkut buscou uma parceria com European Aeronautic Defence and Space Company (EADS), atual Airbus, visando trocar os motores D-436 pelo Rolls Royce BR715, para tornar o Be-200 mais atrativo ao mercado de exportação, em uma versão chamada de Be-200RR. A ideia, no entanto, não foi adiante, uma vez que a troca de motores seria cara demais exigiria mais certificações. Além disso, o motor britânico não tinham tratamento anticorrosão, como os modelos originais.

Na exportação, o Be-200 não obteve tanto sucesso, sendo adquirido apenas pelos governos da Argélia e do Azerbaijão. Empresas do Chile e Estados Unidos também chegaram a negociar algumas unidades, mas sem ar disso.
Por fim, os motores originais eram fabricados pela Motor Sich, da Ucrânia. Em 2014, com a anexação da Crimeia pela Rússia, a relação entre os dois países ficou bastante enfraquecida, no mínimo. Com a invasão de 2022 e o conflito que perdura até hoje, o e aos motores foi severamente afetado. As sanções impostas pela Comunidade Internacional também dificultam consideravelmente a venda do modelo.
O Be-200 ainda é uma aeronave relativamente nova e com potencial de expansão. Mas dentro do cenário atual, o Altair deve permanecer combatendo incêndios apenas na Rússia.